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Saudações da Transilvânia: vamos distorcer o tempo outra vez

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  • 31 de out.
  • 3 min de leitura

Por Isabela Giro


O que acontece quando um cross dresser alienígena apresenta seu experimento científico do “homem perfeito” para um pacato casal puritano dos Estados Unidos? É provável que essa pergunta inesperada tenha sido proferida exatamente uma vez, quando a resposta igualmente bizarra foi roteirizada em batom carmim no anedótico enredo de The Rocky Horror Picture Show.


Baseada na peça teatral de quase mesmo nome (The Rocky Horror Show), a história se inicia com a jornada do jovem casal Brad e Janet que, ao oficializarem o noivado no dueto “Damm It Janet”, decidem visitar o homem que os apresentou - o professor Dr. Everett V. Scott - para contar a notícia. Entretanto, após o pneu do carro furar durante a viagem, os protagonistas são forçados a procurar abrigo em meio à noite tempestuosa. É assim que eles são recebidos em um castelo à beira da estrada pelo excêntrico anfitrião Frank-N-Furter, que promete fazer a curta estadia deles valer a inconveniência do caminho. 


O casal conhece Frank-N-Furter / Reprodução: Michael White Productions e Twentieth Century Fox.
O casal conhece Frank-N-Furter / Reprodução: Michael White Productions e Twentieth Century Fox.

Conhecido como uma das joias do cinema cult, Rocky Horror Picture Show (1975) reafirma sua posição como ícone de Halloween - atraindo fieis seguidores a exibições interativas por mais de 50 anos de distorção temporal (The Time Warp!). O filme de comédia musical incorpora elementos clássicos do terror e ficção científica para homenagear os clássicos do gênero B e satirizar o pensamento conservador acerca de gênero e sexualidade. 


Brad e Janet representam o típico casal branco, heterossexual de classe média amerciano que, por conta própria, jamais cogitariam desrespeitar as normas tradicionais de pureza antes do matrimônio. Por essa razão que o primeiro encontro com o intrigante doutor Frank-N-Furter na canção “Sweet Transvestite” provoca uma catarse tão impetuosa nos personagens, ao ponto de introduzi-los à tentação de vivências hedonísticas. 


O cientista, que exala uma aura sobrenatural de confiança - munido apenas de um salto alto e espartilho brilhante - é bem familiarizado com sedução: seu estilo andrógino e postura imponente capturam olhares que refletem os clássicos estágios de medo, nojo, dúvida e atração que suas vítimas costumam experienciar. Embora invicto em suas conquistas, Frank-N-Furter sofre com a efemeridade do interesse em seus alvos, motivando-o a reproduzir em laboratório a sua própria versão de amante perfeito: Rocky, uma montanha musculosa de cabeleira loira e empacotada em uma sunguinha dourada. 


Outros papéis interessantes de se destacar são o da empregada Magenta e o mordomo Riff Raff - ambos do planeta Transilvânia, assim como Frank - que permanecem sempre à espreita para servir o dono da casa. Além disso, a mansão acomoda a tiete Columbia, que após se tornar um caso amoroso descartado do doutor, passa a integrar a equipe de ajudantes.


Entre o clima caótico de sabotagem, assassinato, traição extraconjugal, um banquete peculiar e um aparelho científico paralizador, a grande série de apresentações burlescas encerra a noite de descobertas. Nesse momento, Frank-N-Furter e seus acompanhantes deixam de se desnudar apenas fisicamente para, então, despir-se da cortina que mantinha seus desejos mais obscuros afastados do palco principal da consciência. Em seu momento mais vulnerável e crivelmente humano, o cientista recorda da infância para afirmar o orgulho de ser o que aspirava (Don't Dream It - Be It) e, logo em seguida, exprime a vontade de retornar à sua terra natal, onde realmente se sente compreendido. (I'm Going Home).


A trajetória do filme remonta às raízes da cultura camp, estética propositalmente caricata que deixa de lado a coerência narrativa a fim de priorizar a artificialidade do material. Tal fato é reforçado pelas referências de obras como “King Kong”, “Flash Gordon” e “Planeta Proibido”, além de outras diversas espalhadas em letras de composições musicais e cenográficas. Em vista disso, é necessário assistir à obra ciente de que todos os elementos são intencionalmente exagerados, com o intuito de ressaltar os estereótipos encarnados em cada personagem e a transformação final que ocorre em cada um deles. 


Em seu coração, Rocky Horror Picture Show é uma celebração visceral da autenticidade queer. A natureza indomável e irreverente de Frank-N-Furter comove um público que, assim como ele, sente-se solitário por desvirtuar-se visivelmente dos comportamentos esperados pela sociedade. Além disso, sua busca incessante pelo amante perfeito simboliza o mais humano dos desejos: o de ser amado incondicionalmente, um sentimento comum à comunidade LGBTQIAPN+. Por esses motivos, o longa consegue transmitir com maestria uma importante mensagem que atravessa o tempo e a distância de outra galáxia. “Não sonhe. Seja”.


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